"De vilã à mocinha"


“P...” É com essas palavras que o pecuarista Pércio Barros de Lima descreve como deixou o prédio do banco que lhe emprestava dinheiro em dezembro de 2008. Alto, cabelos brancos, jeito bonachão, Lima, de 53 anos, cria e engorda boi há 30. Também planta milho, soja e arroz para incrementar a renda. Suas terras, uma área do tamanho de 1.500 campos de futebol, mantêm de pé 50% da floresta nativa – menos que a reserva legal exigida hoje pelo governo, bem mais que os vizinhos costumam preservar.

Ao lado do rio que banha sua fazenda, a mata continua intacta. Isso evita a erosão e garante água ao gado. A despeito desses cuidados, naquele dia de dezembro o financiador negou crédito a Lima. A justificativa? A propriedade de Lima fica em Paragominas, sudeste do Pará, um dos 43 municípios enquadrados na época na relação dos campeões de desmatamento da Amazônia.
Criada pelo Ministério do Meio Ambiente, essa lista tem como função castigar quem derruba floresta. A punição é o embargo ao crédito. Na prática, é como se uma cidade inteira estivesse com o nome sujo na praça. Na próxima semana, uma boa notícia deverá aliviar os produtores da região. Paragominas será o primeiro município do Brasil a sair da lista suja. O desmatamento caiu 43% em 2008 e 86% no ano passado. Lima voltará a ter crédito no banco. A reação do município, que já foi o maior polo madeireiro do país (quase todo ilegal), é um exemplo de solução econômica para a Amazônia.
Paragominas já foi síntese de tudo o que existe de pior na região. Erguida em 1965, às margens da futura vizinha Belém-Brasília, a cidade atraiu colonos de vários cantos do Brasil. Era conhecida como Paragobala, uma referência a pistoleiros que resolviam as disputas de terras à bala. No auge da exploração madeireira, o município ganhou dinheiro. Mas a retirada de floresta sem planejamento deu o troco, num processo que os economistas chamam de “boom-colapso”, marcado pelo aumento dos recursos e pela queda repentina. As madeireiras quebraram, os empregos sumiram. A herança desse ciclo econômico insustentável foi cruel. Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade era 0,69, menor que a média do Pará e do Brasil.
Além de anunciada, a tragédia era evitável. Paragominas, assim como outros municípios amazônicos, não precisava ter optado pela predação. Um estudo do Instituto Imazon, um dos maiores centros de conhecimento sobre a Amazônia, mostra como é contraproducente retirar floresta sem critério. Para cada árvore derrubada, outras 27 são danificadas. Metade das copas é removida. O volume de material que deixa de ser aproveitado na indústria madeireira chega a 85% do total retirado. A alternativa seria investir no manejo florestal, um sistema que permite usar a floresta sem destruí-la. A prática, adotada em madeireiras certificadas, retira árvores selecionadas num volume que a mata consegue repor. Segundo estudos que comparam o rendimento das duas práticas, o manejo gera mais renda, de forma sustentada. Em Paragominas, porém, a colonização foi marcada pela derrubada da mata para criar pasto. Em parceria com os pecuaristas, os madeireiros limpavam as áreas e deixavam o caminho livre para a pastagem
De vilã à mocinha

Paragominas é uma das 43 cidades da Amazônia na lista das campeãs de desmatamento. Na próxima semana, o município será o primeiro município a deixar a relação. Quais os desafios daqui em diante?

Tasso Azevedo, consultor do Ministério do Meio Ambiente

Época - O que significa para Paragominas sai da lista de desmatamento?
Tasso Azevedo - Tem um significado simbológico, porque a cidade se constituiu num ciclo insustentável típico da economia de boom colapso, caracterizado pelo crescimento da produção de madeira, o esgotamento dos recursos e a queda da atividade. A retirada foi muito importante porque ela conseguiu provar que é possível sair da lista, algo que as pessoas duvidavam. Logo que foi indicado, o município conseguiu fazer de um limão uma limonada. Decidiu que não só queria sair da lista, mas passar a ser reconhecido como um município exemplar. Eles foram rápidos, sistemáticos e objetivos. Temos vários elementos aqui do que vai ser preciso ocorrer em outros municípios da Amazônia para se reverter o processo de desmatamento.

Época - Paragominas se tornou um pólo potencial para investidores que apostam num novo modelo econômico que beneficia a floresta em pé?
Tarso - Sim, porque aqui você tem as propriedades cadastradas, portanto o controle da cadeia de custódia. Tem uma governança bem organizada enquanto município, até um controle do desmatamento municipal. Tem muitos empreendedores locais e um potencial enorme de transformação. É o município da Amazônia que mais tem reflorestamento, com mais de 50 mil hectares reflorestados. Agora vai ter de passar para uma nova fase, e isso serve como exemplo importante para a Amazônia. Deixar de ser uma região que funciona basicamente com crédito e políticas de incentivo, para ser uma região que atraia e conviva com investimentos de risco privado. Há muito mais recurso nesse setor do que no público.

Época - Para capitalizar esses produtores com investimentos privados, e não mais crédito de banco, é preciso mudar o modelo econômico da região. Isso exige mudança de cultura dos produtores, que não estão acostumados a dividir seus negócios com outros donos...
Tarso - Isso é uma cultura nova que não está na raiz do desenvolvimento clássico amazônico. É um novo padrão que tem de ser trabalhado. Outro problema é que existe um grande passivo relacionado ao crédito que tem de ser equacionado. Para aprender a lidar com tudo isso, é passo a passo. Vamos ter de trazer pessoas para cá para eles conhecerem as possibilidades. Foi assim com o manejo florestal, com as boas práticas agropecuárias, com produção de energia com resíduos. O município tem a cultura do teste.

Época - Uma vez fora da lista, a cidade vai ter benefícios?
Tarso - A gente está preparando uma nova lista positiva de municípios, com ações sustentáveis. Para entrar, não basta reduzir desmatamento e fazer o cadastro ambiental rural. Vai ser preciso um sistema de monitoramento e governança local, uma estratégia de recuperação florestal. E aí vai ter um pacote de benefícios. Um deles seria dar a esses municípios prioridade na regularização fundiária. Outro seria ter um mecanismo de compensação de juros para propriedades que cumprem reserva legal. O terceiro ponto seria ter destinação de recursos na área de pesquisa e desenvolvimento, além de serviços de compensação para quem mantém a floresta em pé.

Época - Paragominas está quebrando o paradigma da economia tradicional rumo a um modelo mais responsável?
Tarso - Sem dúvida. Estamos vivendo aqui um turning-point. No momento de maior investimento que tivemos, nos anos 60 e 70, a motivação era outra, ocupar a qualquer custo. Depois entramos num momento de aprendizagem das técnicas. Agora passamos para esse novo modelo de economia, que não está só na floresta. Está na floresta integrada com a agricultura e a pecuária. O potencial florestal do Brasil é enorme. Com seis milhões de hectares plantados hoje, a gente produz 120 milhões de metros cúbicos. Somos 3% do mercado mundial de madeira. Na pecuária, temos 200 milhões de hectares com 20% do mercado, sem potencial para crescer. Se eu sou investidor, qual vou escolher?

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Paulo Amaral, pesquisador do Imazon

Época - O que a experiência de Paragominas ensina a outros municípios da lista de campeãs de desmatamento?
Paulo Amaral - A experiência é piloto. Foi elaborada uma lista, com critérios para entrar, sair, mas sem ensinar processos. Como faz isso? Não tinha nada descrito. A primeira parte é fazer o monitoramento do desmatamento. O desafio do combate é como fazê-lo envolvendo produtores e lideranças locais. Não é algo fácil. É preciso fazer um pacto com a sociedade, que não é simplesmente assinar um papel. Precisa ter ações para monitorar e fazer a responsabilização.

Época - Como convencer uma cidade baseada no modelo tradicional da agropecuária de que caminhar para uma economia sustentável é lucrativo?
Paulo - A porta de entrada dessa conversa é a questão econômica, mostrar que o cenário é outro. Há 40 anos, pagava-se para desmatar. As políticas agora prevêem o controle do desmatamento. A questão chave para o sucesso de Paragominas foi o embargo ao crédito. Os produtores pararam de receber dinheiro porque a cidade está na lista. A segunda coisa foi a presença do Ministério Público para colaborar com os produtores e explicar que não estão ali só para coibir, mas para apoiar. Os produtores começam a entender que a questão ambiental não tem volta.

Época - O que uma cidade que desmata precisa para atingir esse modelo?
Paulo - Precisa de uma liderança política forte. O prefeito é uma figura chave. Tem ainda de buscar um estreitamento com os governos estadual e federal, além de parcerias em outras áreas. O município, por si só, não tem condições de cumprir as metas sozinho.

Época - O Imazon faz hoje um monitoramento mensal do desmatamento de Paragominas, o que facilita a localização dos vetores da derrubada. O instituto pretende ampliar esse serviço para outros municípios da Amazônia?
Paulo - Temos um sistema que faz para toda Amazônia, mas sem especificar os municípios. Vamos ampliar para outras das cidades do Pará, em parceiras parecidas com esta.

Época - Uma vez fora da lista, como manter os resultados conseguidos até agora, apontando novas possibilidades econômicas para os produtores?
Paulo - Os bancos já vêem Paragominas como uma possibilidade de investimento em boas práticas. Se os produtores mostraram publicamente que podem ter práticas sustentáveis, interessa investir neles. Os bancos do Brasil e da Amazônia, assim como o IFC [braço financeiro do Banco Mundial], já estiveram lá para ver os trabalhos.

Época - É viável adotar práticas agropecuárias sustentáveis, muitas vezes mais caras, no meio da Amazônia?
Paulo - Os produtores ainda estão no vermelho, não colheram os frutos de fazer direito. Até agora não tem nada tangível. Para estar no verde, é preciso de sair do vermelho. Como esses benefícios podem chegar? Estamos começando a ver os resultados agora



Rone Ferraz
Paragominas

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