Relatório apontam irregularidades na aplicação de recursos públicos na Secretaria de Transportes
Uma das versões para a lenda grega de Pandora diz que ela foi a primeira mulher na terra e que, por curiosidade, abriu uma caixa onde estavam todos os males, permitindo que eles se espalhassem pelo mundo.
A lenda tem sido evocada para se referir às sete caixas enviadas pela ex-auditora-geral do Estado, Tereza Cordovil, para a Assembleia Legislativa do Pará no final de abril.
Assim como a de Pandora, as caixas de Tereza têm conteúdo explosivo. São 137 relatórios feitos em mais de 30 órgãos públicos entre secretarias, fundações e autarquias.
Os documentos revelam a anatomia de uma administração que não tem primado pelo zelo com o dinheiro público.
Os primeiros relatórios divulgados na última quinta-feira, pela presidente da Comissão de Finanças da AL, deputada Simone Morgado (PMDB) apontam um rosário de irregularidades graves numa das maiores secretarias do Estado: a de Educação.
Apontam também irregularidades na aplicação de recursos públicos na Secretaria de Transportes (Setran) e na Ação Social Integrada do Palácio do Governo (Asipag).
Nesta semana, Simone Morgado promete revelar o teor de relatórios feitos em outros cinco órgãos: Secretarias de Cultura (Secult), de Urbanismo (Sedurb) e de Saúde (Sespa), além da Superintendência do Sistema Penal (Susipe) e do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Após analisar todos os documentos, a Comissão de Finanças poderá enviar os papéis para o Ministério Público Estadual ou mesmo pedir abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as irregularidades.
Na última sexta-feira, o Ministério Público Federal iniciou procedimento de apuração para investigar a Secretaria de Educação. O MPF pode agir nesse caso porque o Pará é um dos nove Estados que recebem dinheiro da União para complementar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pará, também irá analisar os documentos. “Queremos que tudo seja esclarecido e os responsáveis punidos”, diz o conselheiro Mauro Santos, designado pela presidência da Ordem para tratar do tema.
Contratos milionários e irregulares em várias secretarias
A análise dos relatórios da AGE divulgados até agora não permitem dizer ao certo quanto de dinheiro público escorreu pelo ralo da corrupção ou do desleixo, mas uma coisa é certa: os valores não são modestos.
Numa única operação equivocada, por exemplo, a Setran consumiu quase R$ 10 milhões. O caso refere-se a um contrato com a construtora Delta assinado com base em licitação que havia sido revogada.
Além disso, um trecho da obra (entre Xinguara e Redenção), pago no governo anterior, foi novamente quitado no início da administração Ana Júlia. É inexplicável que um Estado pobre como o Pará se dê ao luxo de pagar duas vezes por uma obra de quase R$ 10 milhões.
Na sexta-feira, durante entrevista coletiva, o titular da Secretaria de Governo, Edilson Rodrigues admitiu o erro, mas informou que alertado do problema, o governo cobrou da empresa que fez obras do mesmo valor no trecho entre Moju e Goianésia.
Na Seduc os exemplos mais gritantes são de dispensa de licitação, licitações viciadas esuperfaturamento.Um exemplo é o contrato assinado entre a secretaria e a empresa IK Barros & CIA LDTA para fornecimento do chamado “Kit Educação Pedagógico” batizado de “TV para Educar” (não se trata dos famosos kits escolares cuja compra está sendo investigado pelo Ministério Público). O processo de número 179.521/2008 diz que esse kit foi adquirido da empresa após declarada inexigibilidade de licitação, o que ocorre em geral em casos onde há um único fornecedor. A Auditoria Geral do Estado observou que além do direcionamento do processo, uma vez que o edital exigia equipamentos de vídeo que só a IK Barros possuía, houve erros ao longo do contrato. Previsto inicialmente para dois meses, foi estendido para dois anos com uma simples errata no Diário Oficial. O valor inicial subiu de R$ 825 mil para R$ 7,9 milhões. “A modificação do prazo de vigência de contrato mediante errata não está amparada pela legislação”, diz o relatório da AGE com uma pitada de ironia.
Fundação de Wlad está na lista de superfaturamentos
A lei 8.666/93, que regula as licitações, prevê aditivos a contratos, mas até o limite 25% . No contrato da Seduc com a IK Barros o aumento foi 860%. Mas esse não foi o maior dos problemas apontados pela auditoria. O contrato previa que o kit, uma espécie de vídeo educativo, seria distribuído em 600 escolas, o que não aconteceu.
A Seduc chegou a informar que 116 escolas foram beneficiadas, mas a auditoria constatou que apenas 86 foram efetivamente atendidas. O valor a ser pago deveria ser então de R$ 271,7 mil. A empresa recebeu, contudo, 2,1 milhões. Nas palavras da AGE, houve um superfaturamento de R$ 1. 873.300, “causando prejuízo ao erário”.
Na Asipag a auditoria identificou irregularidades na compra de um imóvel no município de Tucuruí para emissora de rádio educativa e um centro de treinamento profissionalizante.
A entidade não fez a cotação e pagou R$ 400 mil por uma casa que havia sido vendida há três anos por R$ 80 mil. “Houve um aumento de 500%, o que indica supervalorização do imóvel”, ressalta
a AGE.
A fundação em sede no mesmo endereço da Fundação Barcarena de Assistência e Comunicação conhecida na cidade como Rádio do Wlad. O nome refere-se ao deputado federal Wladimir Costa (PMDB) “Ficou demonstrado a utilização de recursos públicos para fins políticos”, concluíram os auditores. A mesma fundação já havia recebido R$ 200 mil para compra de equipamentos de difusão.
Na sexta-feira, o deputado Wladimir Costa e a direção da empresa IK Barros não foram encontrados para comentar o assunto.
O titular da Secretaria de Governo, Edílson Dantas, admitiu que há problemas na gestão, mas garantiu que todos os casos identificados são apurados. No atual governo, 72 já teriam sido exoneradas por falhas apontadas nas auditorias realizadas no Estado. Nesta semana, deve ser divulgado um levantamento detalhado das providências tomadas a partir das recomendações da AGE.
A governadora Ana Júlia Carepa não quis comentar os relatórios. À reportagem do Diário, na última sexta, à saída de um evento que marcou o lançamento das obras do Elevado Júlio César, disse apenas estar tranquila e repetiu uma célebre frase de José Dirceu: “Este é um governo que não rouba e não deixa roubar”. (Diário do Pará)
Fonte :diário do Pará